O texto não é meu, é do meu pai, mas ele me mandou e eu achei fantástico
então aí vai
Trilha Sonora
Deliciosa sensação é caminhar pela São Paulo e suas calçadas
acidentadas com um fone de ouvido ligado ao IPod. Buracos no caminho,
motoristas egoístas e a feiura da paisagem se transformam ao som de Chet
Backer, de Deep Purple ou de Joaquim Rodrigo. É como quando, ao editar um
filme, inserimos a trilha sonora. O enredo se transforma, ganha novos sentidos
e amplidão poética.
O mesmo caminho repetido
diariamente entre minha casa e o trabalho pode trazer inúmeras percepções,
tantas quanto forem as músicas que me acompanham no trajeto. Ou então novos
percursos, ao serem desbravados pela primeira vez, se enchem de acolhimento se
vierem embalados por uma trilha familiar.
Lembro da euforia com a chegada
do Walkman da Sony e dos similares paraguaios (já eram chineses, mas nós
chamávamos de paraguaios) na década de 80. Antes de sair de casa tínhamos que
verificar as pilhas, escolher uma fita bacana e torcer pra não enrolar no
cabeçote. O negócio era um trambolho que ficava pendurado no cinto, mas a
emoção de criar sua própria trilha sonora para o dia trazia uma alegria
incomparável. Muitas tardes eram ocupadas nas gravações das fitas, combinando
gêneros e humores díspares para preencher o tempo com sua rica diversidade.
Hoje o IPod tem uma novidade que
acho fora-de-série. Quando a gente usa a opção shuffle ele escolhe
aleatoriamente a ordem das músicas no nosso arquivo, proporcionando verdadeiros
momentos de deleite como ao ser surpreendido pelos acordes iniciais de “Tarde
em Itapoã” ao entrar no metrô às 18h00, ou no sentido inverso, apreciar o
horizonte na Praça do Pôr do Sol ao som de “The Number of the Beast”.
surpresas sempre me encantam. Me ajudam a
enxergar o mundo com um olhar renovado, a fugir das soluções fáceis e do
roteiro viciado. Trazem inquietude e geralmente trazem também boas ideias.
Certamente agregam um pouco de humor ao dia, como quando, ao me dirigir pra uma
audiência trabalhista no Fórum da Barra Funda, sob a chuva fina tão comum em
São Paulo, o shuffle me presenteia com Adoniram Barbosa: “...mulher, patrão e
cachaça, em qualquer canto se acha”.
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