quinta-feira, 4 de junho de 2015

R.I.P. Capitão América



Após uma morte solitária e monótona, sem nenhum inimigo russo, alemão ou japonês, morte de velhice mesmo, o Capitão América se encontrou em frente a um espelho de bronze com adornos dourados num estilo barroco. No vidro, viu um rosto que não era seu. Era o rosto de um cidadão comum, daqueles que em vida ele tanto lutara para proteger, mas sempre de longe, já que era especial demais para se misturar ao povão.
                Passando a mão em seu novo rosto, tentando se acostumar com a idéia de que aquela face no espelho era sua e entender o que estava acontecendo, sentiu que alguém o encarava. Virou de costas e reparou que lá haviam vários homens com a mesma face que ele, tentando entender que lugar era aquele com espelhos que pareciam ter caído do céu, mesmo que lá não houvesse céu.
                Alguns daqueles homens estavam sentados no chão, formando uma grande roda de faces idênticas encarando umas as outras (inclusive a que encarara nosso protagonista) e alguns ainda estavam de pé se olhando no espelho, admirando suas novas caras. Porém, o mais estranho do lugar era a forma como as pessoas se encaravam. O próprio soldado olhava os outros e pensava: “esse tem cara de comunista”, mas afinal de contas, para um dependente químico que atravessara uma crise de abstinência de dois meses numa cama de hospital, qualquer um poderia parecer um porco comunista.
                Com o tempo, mais pessoas foram aderindo à roda até que não sobrou ninguém de pé. Enquanto isso, na cabeça do herói americano, tudo que se passava eram planos para destruir aqueles assassinos da moral e dos bons costumes ignorando agora por completo sua semelhança em relação aos outros pontos daquela circunferência, afinal, come seria ele semelhante em algo a aqueles comedores de criancinhas.
                Porém a vantagem de ser autor onipresente, é que posso dizer que o que se passava na cabeça do capitão, era coincidentemente o mesmo que se passava pela cabeça de todos e é por isso, e somente por isso, que de forma que parecia combinada, todos se levantaram ao mesmo tempo, assumindo a mesma postura. E é por isso e somente por isso, que ao mesmo tempo, se materializou no corpo de todos, a famosa roupa apertada com aquela luva muito estranha, envolta pelo escudo com a listra no meio. E é por isso, e somente por isso que todos saíram de encontro um ao outro gritando “Pela América!”, até se chocarem no centro do círculo. E é por isso, e somente por isso, que desse encontro só sobrou um cogumelo gigante que se dissipou em poucos minutos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário